terça-feira, dezembro 21, 2010

Era quase um pouco de tudo

Era quase silêncio. A não ser por um grilo que berrava suas mágoas a alguns bons metros. Era quase breu. Salvo pela majestosa lua cheia que se exibia por trás dos galhos das árvores mais próximas. Era quase – quase meu corpo inteiro de saudade.
Levantei da cama em que estava estirado há uns tantos minutos sem nenhum motivo aparente ou pré-definido, e caminhei. Pode ter sido o instinto otimista demais que por vezes conservo, me forçando a acreditar que você estaria no outro cômodo me esperando. Pode ter sido a ansiedade presente com frequência, que me faz encadear movimentos total e involuntariamente inúteis. Não entendo exatamente o porquê dessas minhas últimas ações, e nem conseguiria identificá-lo por completo, mas acredito que haja uma boa pitada de desespero contida nelas.
Era quase insônia. A não ser pelo resquício de sono que ainda sobrevivia em mim, que fazia dos meus olhos uma porta pesada prestes a fechar, mas que não era o suficiente para me fazer dormir – sem você. Era quase solidão. Salvo por alguns sinais de vida desmaiados um tanto quanto próximos, mas que a essas horas não chegavam nem perto de serem uma companhia razoável. Era quase – quase toda minha energia canalizada em um único ser, você.
Desenhei um círculo imaginário no chão, com os meus passos repetidos dezenas de vezes e em sentidos variados. Meus pensamentos tão distantes, acompanhados das incessantes voltas dadas em volta do nada, desnortearam facilmente meu equilíbrio, e então parei. Sentei. E depois me deitei, de novo. Tudo estava quase se tornando um ciclo, pois repetia os mesmos atos, separados por alguns minutos de descanso deitado à cama, e que por sua vez seriam repetidos na próxima madrugada, assim como na próxima e na próxima, exatamente como havia sido na madrugada anterior também.
Era quase medo. A não ser pela certeza de que você voltaria, só não sabíamos quando. Era quase insanidade. Salvo pelos intrigantes momentos de racionalidade que ainda surgiam, e que me permitiam planejar todos os detalhes da sua volta. Era quase – quase uma vontade de alterar o tempo e avançar o que fosse preciso.
Pensei que talvez fosse algo com que devia me preocupar. Que talvez isso não fosse muito normal. Mas pra quê ser normal, se por muitas vezes a normalidade te faz omitir os mais admiráveis sentimentos? Levantei mais uma vez e fui até perto da porta, pensei em abri-la novamente e verificar o outro cômodo como já havia feito, mas hesitei. Você não estaria ali, como também não estaria me esperando como previ em minha mente. Hoje, só hoje você não estaria me esperando. E então apaguei a luz, silenciei a voz que cantarolava nossa canção e me deitei. Agora, só agora vou realmente dormir. Pois afinal tenho um ótimo motivo: amanhã – posso garantir – você estará me esperando no cômodo ao lado, exatamente como imaginei.

E era quase – quase um corpo inteiro de saudade.

quinta-feira, dezembro 16, 2010

Guardadas, não ditas

Andei vasculhando minhas gavetas e meus armários e encontrei um pouco de tudo que escondi de todos. Encontrei felicidades compactadas em frases perdidas no caderno de capa infantil, encontrei decepções resumidas a duas palavras, por vezes três ou quatro. Encontrei tanta coisa que pensei em dividir, mas que no momento de dizê-las faltou coragem – ou oportunidade – e que jamais foram mais do que rascunhos em folha de papel. Encontrei um bom tanto de mim que só eu conheço.
Perdi meu dia refletindo sobre o assunto, e brincando com a ideia de que todos hesitaram falar algo em algum momento dele. A moça de preto na praça de alimentação do shopping provavelmente se esqueceu de agradecer a melhor amiga por mais um favor atendido, mesmo tendo planejado agradecer. O senhor de muleta que cruzava lentamente a rua deve ter pensado em revidar o farmacêutico que lhe atendeu mal. O garoto de cabelos compridos mais uma vez não conseguiu terminar seu namoro com a menina fria que não diz o que sente. E sua namorada, em contrapartida, perdeu a oportunidade de dizer que o ama, mesmo o amando cada vez mais. O rapaz de roupas coloridas contabilizou no mínimo uns cinco palavrões quando o zombaram em plena praça central, mas não pronunciou nenhum. A menina de verde não teve coragem de confessar que está apaixonada pela menina de azul, e a menina de azul sentiu medo de dizer que ama a menina de verde – e então não disse.
Entre muitas suposições e constatações, está a verdade de que nunca dizemos tudo que desejamos e da forma que desejamos. O diálogo está cada vez mais desvalorizado, e sua importância cada vez mais ignorada. E, pelo que ando visto, não temos muita chance de mudar esse percurso. Aquelas palavras, carregadas de timidez, e que geralmente traziam os melhores resultados e proporcionavam as mais surpreendentes reações, andam sendo substituídas por indiretas displicentemente resumidas em cento e quarenta caracteres.

segunda-feira, dezembro 06, 2010

Ovelha negra


Por um momento me senti menino de novo. Cinco anos, talvez. Inocente e inexperiente – e feliz. Abri a janela do quarto e fiz entrar a luz do sol, que já chamava pelo pequeno garoto de cabelos loiros quase brancos. Saltei para fora como um flash de luz. Corri pelo imenso campo verde que tomava conta de tudo que estava à volta e deitei no meio dele.
Nada por perto, a não ser uma velha árvore, que pelos poucos galhos que ainda possuía já não fazia tanta sombra. Sem preocupações. Sem tempo – ou com tempo demais. Fiquei ali por alguns minutos. Poucos, pois meu ânimo de criança não me deixou permanecer parado por muito tempo. Tornei a pular e a correr sem destino. Ainda não entendi bem o motivo, mas a partir de um momento comecei a te imaginar correndo comigo. Fui infantil – no mais literário sentido da palavra – sem sentir a menor culpa por isso. Te imaginei ao meu lado, de mãos dadas, pulando os arbustos enquanto corríamos e não chegávamos a lugar nenhum. E não precisávamos chegar.
Procurávamos e colhíamos flores. As minhas preferidas eram as vermelhas e as suas as azuis. Colhemos o suficiente para cada um de nós formar com elas um buquê. Depois, estirados no capim um tanto espesso e desconfortável, brincamos de rolar deitados no campo, e descobrimos que rolar abraçados podia ser ainda mais divertido. Foi incrível. Estava quase certo de que não havia ninguém nos observando, e mesmo que houvesse, não haveria porque termos problemas com isso. Afinal, éramos crianças – só crianças. Não me importava se estávamos de mãos dadas ou se corríamos lado a lado, porque ninguém – absolutamente ninguém – podia dizer alguma coisa de nós. Sem malícia. Sem maldade. Tudo simples e singelo. Tudo perfeito – como deveria ser.
Só após algumas horas é que me dei conta de que você não estava realmente ali. Já havia ignorado a parte da imaginação e para mim era tudo real - talvez porque esse era o meu maior desejo. Aos poucos minha empolgação foi diminuindo e o meu corpo com movimentos frenéticos, antes involuntários, foi voltando ao normal. Ao longe avistei um maço de flores, e me surpreendi ao descobrir que só havia um buquê. De flores azuis, como você gosta.
Voltei ao meu quarto e à minha realidade. Voltei onde tudo é errado e proibido. Onde o mais puro sentimento pode ser considerado perverso e vulgar. Onde tudo é crime e pecado. Onde ninguém perdoa, ninguém aceita. Voltei ao lugar e ao tempo em que não passo de mais uma peça errada no jogo.
Mas meu dia valeu, pois ao menos por um momento me senti menino de novo.

quarta-feira, julho 28, 2010

Com os lençóis esticados

Dias atrás ouvi dizer que nem tudo respeita um padrão. Ouvi dizer, também, que nem tudo deve ter necessariamente um ponto de partida exato e pontual. E foi mais ou menos assim que aos poucos tudo foi acontecendo. Não me recordo de todos os pormenores que fizeram parte do início de tudo. E, portanto, não sei quando me dei conta de estar envolvido nisso. Ignoramos o tempo, a razão, a ordem e a linearidade – e todo o resto de fatores que poderiam fazer dos nossos minutos juntos algo previsível.
Com total ausência de planejamentos ou de qualquer que fosse a previsão dos fatos, fui espectador de meus próprios momentos, como se assistisse a um filme em que eu era o mocinho – que pretensiosamente desejava a si mesmo um típico “feliz para sempre”. Apenas vivi os fatos. Surpreendi – e acabei surpreendido por você também. Nossos momentos eram uma grata surpresa a cada novo dia - e quanto maior ela era mais excitante se tornava. E é por isso – tão somente por isso – que agora nossos olhos se observam mutuamente.
Ficamos nos analisando durante algum período. Até que instintivamente encontrei sua mão de pele fina e sensível. Com as mãos entrelaçadas, iniciamos e encerramos incontáveis diálogos. Não posso negar, temos uma facilidade incrível para desenvolver os mais variados e interessantes assuntos, perambulando verbalmente desde o lançamento do novo clipe de uma cantora americana até as inovadoras técnicas stanislavskianas de interpretação. Já tínhamos tido muitos momentos semelhantes, mas estranhamente esse parecia querer tomar outro rumo.
O instinto impulsivo – comum entre nós – nos ajudou. E ainda que carregados de timidez, fomos cuidadosamente ultrapassando os limites da intimidade. Não era a primeira vez – e eu, particularmente, nem desejava que fosse a última. Mas agora estava tudo acontecendo de um modo diferente. Mais moderado, porém intenso. Mais delicado, porém ansioso. Fomos, juntos, adquirindo a coragem e a confiança necessária. Sem aviso prévio, meus braços pareciam repletos de vontade própria e, de repente, meus movimentos se tornaram involuntários. Com minhas mãos um tanto trêmulas desenhei um caminho imaginário sob seu corpo e repeti o trajeto por inúmeras vezes. Por algumas delas alterava a velocidade e, então, chegava ao ponto final mais rapidamente.
Senti seu toque quente e macio, e de imediato percebi que era a sua mão que deslizava facilmente pelo meu corpo. Toda essa sequência de fatos me deixou absurdamente ofegante. Meu coração batia com tamanha intensidade, que se fosse possível saltaria para fora do meu organismo. Meus olhos já estavam cerrados, e pude imaginar o prazer que estava estampado em meu rosto. Quando meus pensamentos se realinharam e então voltei a me concentrar em minhas ações, notei que estávamos nos beijando – e talvez isso já estivesse acontecendo há mais tempo do que eu imaginava.
Foi fantástico. Nossos corpos estavam em contato constante há algum tempo, e nem o som da coruja que voava lá fora ou o ladrar insistente e repetitivo do cachorro do vizinho foram capazes de alterar nosso estado de espírito. Por mais radicais que fôssemos não estaríamos nem perto de parecermos promíscuos. A sensibilidade de nossos atos foi o suficiente para fazer daquilo uma experiência essencialmente romântica e carinhosa – como deve realmente ser.
Ainda de mãos dadas, mas agora com uma maior distância entre nós, trocamos frases e carinhos. E tudo parecia ter atingido a perfeição. Por mais alguns longos minutos ficamos nos olhando e compartilhando sorrisos. Aos poucos, tudo foi ficando sereno e calmo. O cachorro já não latia, a coruja voara para outro quintal e o que sobrou foi o silêncio. E o silêncio que em outras ocasiões poderia ser considerado constrangedor, agora era o detalhe que restava para essa noite ser eternizada em minha mente.
Quando me despertei notei que o dia já amanhecera e que em breve nós nos despediríamos. Aproveitei a ausência de sono e fiquei observando você dormir. E ao fazer isso percebi o quão responsável por sua proteção eu me sinto. De um modo ou de outro isso me deixou feliz, pois gostei de ter a sensação de que você realmente precisa de mim. Você abriu os olhos e com eles o seu sorriso – ah, o seu sorriso. “Bom dia”. E depois de executadas todas as tarefas matutinas – desde as de higiene às de alimentação – você abriu a porta e foi embora.
Tudo havia voltado ao normal. Me vi contando os minutos pra te ver novamente. Me vi contando os minutos para ter mais uma noite com você. Até que o som do meu celular – que me alertaria do horário exato que preciso começar a me arrumar – me trouxe de volta à realidade. Olhei para a cama onde dormimos e os lençóis estavam esticados, milimetricamente acomodados em seu devido lugar. Suas coisas já não estavam espalhadas nos mais variados lugares. Meu quarto já não possuía nenhum vestígio da sua presença. E não sabia quando você entraria nele novamente – e principalmente se você entraria. Aqui estou, mais uma vez, a esperar uma resposta – a te esperar.
E só então pude concluir: não existe a perfeição. Mas ainda assim afirmo que se a ela é atribuído o status 10, a noite passada pôde, sem rodeios, atingir o 9.

segunda-feira, julho 26, 2010

De mal a pior por algumas linhas a mais

Agora você está se despedindo de mim. Te vejo ir - de mãos dadas. Fico estático, observando sua caminhada. E tudo o que sinto é saudade. Saudade daquilo. Saudade do momento. Do todo. Do completo. Do mágico. Do êxtase. Do antes e do depois. Do muito e do nada. De tudo - e de você. Sinto saudades do que foi. Ou do que era pra ter sido - e acabou não sendo. E fim.
E todo o resto é vazio. O desenho que era colorido perdeu todas as suas cores. O sorriso que era constante já se esconde atrás do rosto neutro. A lua cheia que iluminava a praça central tornou-se minguante e trouxe com ela o breu – o insistente breu. A comédia romântica que passa na TV agora causa os mesmos efeitos de um bom drama. O perfume que era doce mais parece o odor do enxofre. O gosto que era viciante passou a ser amargo. O som que acalmava agora é ruído e perturba. Os segundos são minutos. Os minutos são horas. E as horas já parecem meses.
Meu mundo se desestabilizou tão facilmente. O medo se instalou em meu corpo e me deixou vulnerável. Sou seu refém. Sinto medo de não mais te ver. De não mais te ouvir. De não mais te sentir. Sinto medo até de você - e de encarar seus olhos. De não conseguir sorrir ao ver seu sorriso perfeito. De não conseguir voltar a ser quem eu era – quem eu era perto de você. Não. Por hora é a principal e mais frequente palavra do vocabulário dos meus pensamentos. E envolto a tantos nãos identifico um solitário e angustiante sim.
Sim, eu perdi.

segunda-feira, julho 12, 2010

Um tanto de você, um tanto de você em mim

Acabo de chegar. De imediato, minha atitude é te buscar com os olhos, almejando sua proteção – e basta. Meu radar ativado. Te encontro. Me encontra. Se encontram. E isso faz tudo passar mais devagar; e isso faz tudo ficar bem; e isso, por algum momento, é isso – e tudo isso também. É o meu abrigo, meu refúgio – e basta. Conheço seus segredos e medos, e os meus, entretanto, fogem de meu próprio controle e reconhecimento. Te decifro – ou tento. Te escuto – e entendo. Te sinto e me sinto – me sinto eu. Me sinto seu – e basta. É o meu apoio, meu equilíbrio. É o que me mantém em pé, e o que pode me fazer cair. Mas ainda assim estou seguro. Pois se cair, sei que você – só você – estará aqui para me levantar – e basta. Você é meu ponto forte. E meu defeito – meu melhor defeito. Você é minha incógnita mais secreta, o enigma que desvendo uma nova parte a cada novo momento – e essa nova parte é sempre melhor do que a anterior. Eu me vejo em você – e te vejo em mim. E me vejo completo quando te vejo por perto – e basta. Eu me vejo perdido em seu olhar sincero - e misterioso. Ora fujo, ora volto. E volto mais, e volto tão. Ora sinto, ora nego. E nego pouco, logo me entrego – e não renego.