terça-feira, janeiro 29, 2013

caótico

 
olhos fechados imagens aceleradas flutuam sem sintonia fogem de qualquer forma que possa ser dada
 
eu e você dentro de um carro como se estivéssemos confiantes como se estivéssemos inteiros como se estivéssemos como já estivemos quando tudo parecia claro seguro palpável o velocímetro avança proporcional a velocidade das fotografias coloridas que passam passam passam em sentido contrário voltando ao começo
 
a descoberta de um sentimento forte
 
eu e você deitados na mesma cama definindo olhares como se a distância fosse muito maior buscando resposta ou caminho seguro desconcertados pelo amor nutrido distante distantes é como erguer um castelo de cartas não se pode esquecer nenhuma se quisermos que ele nunca desabe lágrimas quando o silêncio é o que menos se espera diga alguma coisa por favor se roga em mente mas nada é dito mais uma vez
 
minha pele implora a sua
 
seu lábio toca o meu devagar o gosto do beijo o movimento da língua encontrando a minha ganhando espaço abraço forte como se pedisse ajuda ainda sinto tanto chega mais perto por favor quero sentir a pulsação dos corpos se unindo ansiosos um olhar sincero que dura eu te amo eu te amo eu te amo eu amo teu sexo você faz falta vazio escuro escuro escuro sem volta volta logo estou esperando
 
o início machuca por ter sido doce
 
buraco negro que inicia no meio do peito sem fim engole o que ainda há de cor não é mais como antes temo o desapego caio onde posso não posso impedir levanta abre os olhos não se abrem a dor me empurra pro fundo me contorço em desespero o buraco como uma bexiga de ar que aos poucos preenche todo o espaço e cresce cresce cresce explode explodo em espessas gotas de lágrimas
 
tempo corre
 
tenho medo do que vem o tempo é mais veloz com os olhos fechados quero abrir mas eles parecem sangrar quando tento
 
parei de tentar
 
 
 
 
 
 abismo
enquanto caio sem rumo num fosso sem fim aos poucos vou perdendo de vista as luzes de cima a espera falará mais do que se imagina possível ser dito no momento então espero calado não existe nada que possa ser feito além de continuar caindo

quinta-feira, dezembro 22, 2011

Em um lugar qualquer conhecer alguém que valha algum tempo de conversa,

e arriscar dizer que esse papo poderia se estender pra algum outro lugar qualquer, que levará a outro, em outro dia qualquer, e depois de uma semana mais uma vez, e outra, e outra, e no mês seguinte já nos conheceríamos bem, e no outro mês seguinte seríamos íntimos, amigos, parceiros, e só então viria o primeiro beijo, e o segundo, o quinto, o sexto, outros mais, e iríamos enfim pra cama, e já poderíamos dizer que o que faríamos era de fato amor, e apresentaríamos, cada um em sua vez, o mais íntimo de nós, sem pressa, sem receio de nada que fizesse parte de nós, e levantaríamos da cama pra cozinharmos algo que estivesse dentro do cardápio aceitável de ambos, e determinaríamos que o prato escolhido seria o prato oficial do casal, assim como depois elegeríamos uma música oficial, e um ponto de encontro oficial, um restaurante, um filme, um drink, todos oficiais do casal, e pensaríamos nos nomes preferidos de cada um, e negaríamos de pé junto e com os dedos cruzados atrás das costas que não estávamos associando nada daquilo à ideia de termos filhos juntos – oficiais do casal, brincaríamos depois – ao menos por enquanto – porque isso seria afobado demais, e ficaríamos horas olhando um para o outro, decorando os traços do rosto, o desenho da boca e o formato do nariz, e não precisaríamos armazenar em nossos cérebros inúmeras informações aleatórias pra garantir que teríamos assunto quando estivéssemos juntos, porque não teríamos medo do silêncio, e eu te olharia por horas seguidas mais uma vez só pra de repente, sem mais nem menos, roubar um beijo seu, e então eu ganharia outro justamente por ter feito isso, e lembraríamos que juntos somos melhores, e dormiríamos juntos, e acordaríamos juntos, e caminharíamos juntos, e discutiríamos, juntos, com os vizinhos chatos que dormem às vinte e não gostam de barulho, e diríamos a eles que não sabem o que estão perdendo por dormirem a noite inteira – porque a noite é certamente a parte mais bonita do dia, e prometeríamos que nadaríamos pelados quando fôssemos à praia, e quando de fato fôssemos você me imploraria pra não levar em conta a promessa, e eu te mostraria as minhas bandas favoritas e você as suas cantoras favoritas, e diríamos, os dois, um para o outro, que tínhamos adorado as músicas, por mais que depois você continuasse só com as suas cantoras e eu só com as minhas bandas em nossas seleções de músicas, e seríamos reais, sem farsas, sem capas, e mesmo sendo sem farsas e sem capas não pediríamos a verdade sempre, porque acreditaríamos que pequenas mentiras são necessárias, assim como não pediríamos lealdade, porque acreditaríamos que esse tipo de coisa não se pede, e quando nos perguntássemos o que a gente era, diríamos que não havíamos estipulado um título, e que acima de qualquer coisa éramos amigos, e não estaríamos mentindo, éramos mesmo amigos, com alguns detalhes e benefícios a mais, confessaríamos, mas amigos, e então amadureceríamos juntos, e envelheceríamos juntos, e decidiríamos que queríamos ser amigos até o fim, pois isso talvez impedisse muita coisa ruim, e aconselharíamos, velhos, cheios de rugas no rosto, aos casais mais novos que estivessem por perto, que era exatamente aí que a maioria dos casais acabam errando, eles deixam – por alguma razão oculta-particular-e-talvez-involuntária – de serem amigos,

e quando estivéssemos quase no fim, quando tivéssemos certeza de que estávamos perto, bem perto, eu lembraria, em voz bem baixa, no pé de seu ouvido, daquele dia, antes de te conhecer, em que cheguei a pensar que não chegaria a te encontrar, em que eu, tolo, por algum motivo havia perdido a minha maior esperança, a de em um lugar qualquer conhecer alguém que valha algum tempo de conversa, e arriscar dizer que esse papo poderia...

sábado, julho 09, 2011

30 minutos de quase amor

O sorriso. Foi o sorriso, sempre é. Por todo o pouco tempo que estive perto, foi ele que me prendeu, que me tirou da rota e me jogou pro ar. Seu riso comedido, tomado de timidez, quase com medo de encantar – e encantando ainda mais. Seu riso contido, vazio de malícia e cheio de franqueza – frágil, gentil, sutil.
Sobretudo o sorriso, mas também o olhar, o beijo, o toque. O toque de leve, deslizando e desenhando formas, acariciando a pele como se deve, do modo afetuoso que conhece. Passou pelo rosto, pela nuca, pela boca. Estipulou um caminho e o repetiu seguidas vezes – delicadas vezes. A mão de pele macia e fina como instrumento, perambulando calmamente encontrou a minha. Encaixaram-se.
Os lábios movendo-se timidamente imploram um beijo. Que foi dado. A aproximação lenta, receosa. Os olhos cerrados. E as próximas ações somente seguiriam o fluxo imposto por nossos desejos. Todos os movimentos eram parte da mesma coreografia. Nossas bocas dançavam nela, assim como as mãos, cabeças, línguas ansiosas e em total sintonia – e harmonia, e euforia.
“Me observe”, pedi em pensamento, “tente ler em meus olhos tudo o que senti com esse beijo, porque se eu te dizer vai me achar dramático demais”. Seus olhos me encararam durante algum tempo considerável, talvez por resposta à minha expressão atordoada – era cedo, tinha de ser. E os olhos. Atentos, paralisados em direção aos meus. Seu olhar sincero pediu explicações, e eu expliquei. Do modo que sei e que posso fazer – beijei sua boca mais uma vez.
E por consequência da série de sensações, o deslumbramento, o fascínio – e a falta de domínio sobre tudo que estaria por vir. Os pensamentos aturdidos reviraram o que ainda restava de racional em mim, mas não arranjaram nada muito relevante. Já me sentia preso àquele beijo, àquele olhar – ao sorriso.
Tínhamos de ir. E então a despedida com mais um beijo. E mais um, e mais um, dois, três, e mais. Restou o medo, o medo de perder o que ainda não é – mas que tem tudo pra ser. O medo de nunca mais sentir os mesmos lábios, tocar o mesmo rosto, analisar os mesmos traços perfeitos e ser questionado pelo mesmo olhar preocupado. O medo de ter enfim encontrado o que sempre busquei – e não conseguir manter ao meu lado, colado a mim. Restou o medo.
Nunca acreditei em amor a primeira vista – e sinceramente continuo assim. Mas algo incomum aconteceu ali, tem que ter acontecido, ainda não estou ficando louco. Eu sei, existem coisas que não podem ser denominadas, apenas sentidas. Deve haver algum significado nisso.


“Até a próxima”, dissemos juntos. E “por favor”, completei em pensamento. A despedida é inevitável, mas se existir sempre um reencontro, não há com que se preocupar. Se não é amor, pelo menos já é um caminho.

quarta-feira, junho 22, 2011

Leste inventado


Ando com saudade de ser amado. Ando só. Com vontade de ver, de ter, de ser mais. Ando preocupado com a vida. Tenho andado muito, muita coisa. Tenho sido menos, tão pouco de mim. Tenho nada.


“Quem roda na roda fica contente. Quem não roda se fode”, disse uma vez o senhor Caio. Não obedecer ao movimento da roda às vezes me faz mal. Me deixa longe, me torna coadjuvante de uma história sem pé nem cabeça, de um enredo que prioriza sempre a roda, o movimento contínuo, o viver padronizado. É complicado entender a sociedade. Existe a via que leva ao norte e a via que leva ao sul. Só! E o que a gente faz quando não quer estar em nenhuma delas? Quando não quer seguir nem pro norte nem pro sul? O que a gente faz quando se quer um leste? Pode ser inventado, utópico, não importa. Mas por que não existe uma via que leva ao leste? Nem que seja só pra mim. Mas o diferente assusta. É difícil aceitar o deslocado-careta-que-pensa-demais-e-que-vive-de-menos, é assim que eles falam.
Tentaram me convencer de que o sul é melhor, menos problemático. Quase fui. Mas acabei percebendo que não era uma boa escolha. Lá é tudo muito amargo, contido. As pessoas que vêm do sul são sempre fechadas em si, transtornadas interiormente e juram que nada é capaz de atrapalhar a sua maneira moderada de viver. Aí tentaram me convencer de que o norte é melhor, menos monótono. Quase fui. Mas não, pro norte eu não vou porque. Porque lá é tudo muito exagerado, forçado. Aqueles que vêm do norte são sempre pateticamente donos de si. Extravagantes, desregrados demais. Adrenalina, por adrenalina, entendem? E a ausência de um propósito em quase tudo.
Qual é o problema em existir um leste?
Vou contar como o imagino. Se acaso existisse uma via que levasse ao leste ela seria uma ruazinha torta, tenho certeza. Porque no leste não existe um padrão. Ou melhor, o único padrão ou regra que é preciso seguir é fugir dos excessos. Todo mundo tem um pouquinho de norte e um pouquinho de sul dentro de si. Só no leste isso seria equilibrado da maneira exata e saudável. A rua seria torta porque no leste não é proibido seguir a própria opinião, não é proibido ser o que é. E quem no mundo não é um tanto torto?
Eu ainda penso naquele amor, se é que querem saber. O Amor que a roda me roubou, que foi levado pro norte. E não pude fazer nada mais do que acompanhar com o olhar. Sumindo, sendo engolido por ela. De que adianta me torturar, lamentar me lembrando de quando ele, o Amor, era só amor? E não havia distância alguma entre nós, a não ser nós mesmos limitados pelos nossos próprios receios.
Pedi que voltasse, pensei em viajar pra lá e resgatá-lo mas. Mas o norte domina, o norte persuade. E se eu quiser ficar por lá também? Não, eu não posso buscá-lo. O Amor deve estar tomado pelo prazer das drogas do norte, pelas facilidades de um mundo sem limites pra imaginação. O problema, Amor, é quando você começar a viver só a imaginação.
Escrevi algumas coisas bobas pra ele, mas nunca tive coragem de mandar – talvez por serem bobas.
Volta. Volta enquanto há tempo. Volta enquanto te quero de volta, enquanto temos alguma coisa pra conversar, enquanto você ainda tem um tanto de sul em você. Volta enquanto nutro por nós dois o nosso amor.
Estive pensando dias desses. Se você decidisse voltar poderíamos construir uma estradinha pequena sentido leste, só pra nós. Com algum tempo de trabalho e um bom bocado de paciência a gente conseguiria, tenho certeza. Poderíamos enfeitá-la também, o que acha? Colocaríamos as nossas cores favoritas nas beiradas, escreveríamos no chão as nossas frases, e depois...

Besteira. Não vai voltar, eu sei. Não vai existir nunca essa estradinha pequena sentido leste. O Amor já está distante, acomodado em seu canto. Mas ainda espero, claro, no mesmo lugar de sempre. No meio de tudo isso. Entre as duas grandes vias, sem saber pra onde ir.

quinta-feira, maio 05, 2011

Nu

Sobre a cama uma camisa xadrez pendendo para o vermelho e uma calça jeans que por pouco não era preta. Os livros que foram usados numa tentativa fracassada de entender mais sobre economia. As embalagens agora inúteis que envolviam as guloseimas altamente calóricas ingeridas há pouco. O computador que contava com uma fotografia antiga da família reunida, a qual estampava o plano de fundo da tela. Havia também alguns rabiscos desalinhados dos planos do futuro.
Vestiu a camisa xadrez que pendia para o vermelho e a calça jeans que por pouco não era preta. Sentou à beira da cama e se agachou pra apanhar o tênis um tanto velho, esticando os braços por debaixo dela pra alcança-lo. O enfiou em seu pé e sem demora amarrou os cadarços do All Star cor bordô. Foi até o banheiro, arrastou sua mão sobre o espelho pra tirar a umidade, buscou sua imagem nele. “Já estive melhor”, pensou. E então ensaiou um sorriso amarelo, de canto. Péssimo, falso demais.
Era mais um dia em que teria de fingir ser o que não era, e por sorte até acreditar que podia ser de fato. Teria de fingir que tudo ia bem, que as pessoas eram agradáveis e que fazia exatamente o que sempre desejou. Teria de fingir – ou esquecer, quem sabe – tanta coisa. Não sentia dor nunca, não ficava enjoado, não se incomodava com o calor, pensavam. Deveria ser assim. E então fingia – fingia esquecer.
Levantou da cama, apagou a luz do quarto, saiu de casa. Fez tudo o que fazia em todos os dias. Encontrou as pessoas que via sempre. Amigos, parentes, conhecidos. Os mesmos problemas de rotina, o mesmo trânsito insuportável, o mesmo chefe arrogante, a mesma secretária oferecida, o mesmo assessor fofoqueiro – a mesma vida exemplar – a mesma máscara de ontem, de antes, de antes, de sempre.
Quem o via de fora não imaginava o que estava por trás do sorriso amarelo, de canto. Não notava que na verdade ele era péssimo, falso demais. Não imaginava que a discussão com o irmão mais novo logo cedo o perturbou, que sentia saudades da mãe morta por câncer e que havia uma porção de coisas que o incomodava. Não imaginava que ele havia perdido seu grande amor numa das voltas de sua vida, que estava cheio de contas pra pagar e que o seu dia estava uma merda. De longe, até parecia feliz.
“Cansei disso”, gritou. Gritou pra quem estivesse perto e quisesse dar atenção ao que falava. E gritou pra si mesmo. Logo em seguida ecoaram frases perdidas no ar. Um senhor, que andava por ali, aos poucos foi ficando imóvel, e em instantes estava absolutamente atento ao que o rapaz esguio berrava descontroladamente. “Cansei de andar na linha!”, anunciou a todos. E então, aproveitando o surto de sinceridade e de coragem que o havia dominado, berrou todas as suas angústias, os seus medos, os seus anseios – as inseguranças. Foi ouvido.



“Quem sabe quem sou? E se eu te falar que não sou essa porcaria que você pensa de mim? Sou tímido, você diria – e eu concordaria. Mas eu não sou só tímido. Te digo que a minha timidez é bem diferente da minha vergonha. Se você é tímido, você é até mesmo sem motivo. É uma característica sua. Está no pacote, não tem volta. Você pode ser tímido mesmo sem temer a opinião dos outros. É uma dificuldade – de expressão, dizem por aí. Agora a vergonha não, e é dela que fujo agora. Por que eu teria vergonha de mim? Eu tive, admito. Até minutos atrás, você diria – e eu concordaria. Por vergonha de mostrar a própria face, a gente inventa um milhão de máscaras. Cada uma pra um lugar, pra um grupo. Ou mais deprimente ainda, cada uma pra uma pessoa diferente – quem duvida?
“Me diz. Como fiquei sem máscara alguma no rosto? Fico bem? Diz. Como é me ver assim? Meu rosto deve estar te dizendo um monte de coisa agora, não? Sincero. Limpo. Despido. E aí? Me diz o que está vendo? Um cara pateticamente inseguro. Cheio de receio. Covarde. Um cara que perdeu uma porrada de oportunidades. Que se pelou de medo quando tudo o que deveria fazer era se jogar no que queria. Um cara que se escondeu de tudo, que escondeu todos os sentimentos, as vontades, os desejos – as saudades. E se eu tivesse feito diferente? Se eu tivesse confessado tudo, jogado todas as cartas na mesa de uma vez? Se eu tivesse falado, sempre, o que eu sentia? Te digo. Eu seria o veado da família. A bicha sentimental! Homem não chora, me disseram. Não sente. Homem é pedra.
“Não. Eu não sou pedra, porra nenhuma! Assim como não sou determinado, como sempre digo. Pareço, não é? Ah, pareço forte, também? Sobrevivência, meu chapa. Quem se mostra fraco é atropelado pelos supostos fortes. Não existe vez pra quem chora, pra quem não sorri o tempo todo, pra quem anda se machucando nessa droga de mundo. Não existe vez pra quem sente na pele a dor de ser sozinho.
“Eu sou sozinho porque eu tenho medo de gente e a gente tem medo de gente que teme a gente. Entendeu, meu amigo? Essa é a verdade! Eu não sou sozinho, você diria – e eu discordaria. Eu amo uma garota que nem imagina que eu ainda existo. Minha namorada? Não. Não falo dela. Eu não amo minha própria namorada, meu Deus! Eu não tive coragem de terminar e lá se foram três anos de fingimento. De “eu te amo” sem amor, de uma porção de “vai ser pra sempre” torcendo pra não ser de fato. Quantos segredos uma máscara bem colocada pode preservar? Fui montado por mim mesmo, escolhi o que queria mostrar ao mundo e mostrei. Segui o que aprendi com a vida, ou senão eu me fodia. Fui obrigado, meu irmão. Fui farsa. Fui mentira.
“Fui. Fraco.
Estava sentado. No chão de uma rua movimentada. As pessoas que circulavam não deram importância, apenas o desviavam sem muita dificuldade. O senhor ainda estava ali, em pé, do seu lado. Como se esperasse mais palavras. Como se esperasse ainda mais semelhanças entre os dois. E realmente aguardou durante algum tempo, mas o rapaz não desempenhou qualquer tipo de ação. Continuava sentado, parado. Arrasado, diriam.
E enfim, levantou. Andou. Andou sem propósito. Andou. Não foi ao trabalho, não deu satisfação. Não viu parentes, amigos, conhecidos. Nem enfrentou trânsito. Não teve de suportar o chefe, a secretária, o assessor. Não colou no rosto o típico sorriso amarelo, de canto, porque ele seria péssimo, falso demais. Andou.
Abriu a porta de casa. Vazia, oca, sem ninguém esperando. Sentou em sua cama. Arrancou o tênis All Star cor bordô. Tirou a camisa xadrez que pendia para o vermelho e a calça jeans que por pouco não era preta. Deitou.
Amanhã seria um dia melhor, pensou. E seria. Mas hoje, agora, ele queria apenas continuar deitado. Fugindo dos pensamentos, para que eles não lhe tirassem o alívio que permanecia no peito. Sim, estava aliviado. Porque sabia que amanhã seria um dia diferente, não poderia parar de fingir, mas de qualquer modo, fingiria bem menos.
E então, fechou os olhos.

segunda-feira, abril 11, 2011

Seria pleno

Uma porção de frases presas na minha garganta. Conjunto de palavras de saudade, de revolta, de amor. Raiva. O desejo incontrolável de abrir a veneziana do quarto e gritar em direção ao nada palavras soltas e cheias de sentido. O medo de me prender de novo em mais uma das minhas aventuras utópicas – ou perfeitamente prováveis, aos olhos de outros. De me entregar – pela segunda ou terceira vez, calculo – às minhas ilusões tão românticas e tão autodestrutivas.
Eu ainda observo – de longe, jamais saciei essa minha necessidade. Mesmo quando eu estava... Vejo o sorriso, os olhos vidrados, a boca faminta por mais um beijo do seu mais duradouro projeto de amor. E esse carinho que não é pra mim. Maldito carinho. Essa imagem invade o pensamento e rouba todos os meus resquícios de otimismo. Analiso atentamente todos os passos, os gestos. Não preciso de muito tempo pra isso, alguns segundos de observação e consigo desvendar seu estado emocional sem nenhuma dificuldade. E ele anda em ótimo nível, admito. Admito que isso te faz bem. Não sei se natural e diretamente, mas talvez de um modo condicionado, talvez sua vontade de ficar ou mostrar-se bem seja a principal razão desse sorriso permanente.
É hora de reviver algumas coisas. Aquelas lembranças um tanto velhas, guardadas há um punhado de meses em algum lugar nem um pouco escondido do meu cérebro. Se renovam. Vem a impressão de que faz cinco ou seis dias que foram verdade, que foram o momento, e de que elas podem se repetir daqui outros cinco ou seis, quem sabe. A certeza de ter sentido, nesses últimos segundos, o mesmo toque que me aqueceu da última vez, naquela noite já distante. E então descobri que ainda me lembro de todos os detalhes.
Me pego pensando de que forma poderia ter sido diferente. Seria? O sorriso seria pra mim, assim como os olhos estariam vidrados nos meus e sua boca procuraria a minha? Se eu tivesse falado, o que falaria exatamente? Se eu tivesse quebrado as regras, que regras quebraria por mim? Se eu tivesse te provado, o que provaria em troca?
Pergunto. Sem respostas há um bom tempo. Seria?
Difícil desvendar o que está por trás da nossa intimidade, intimidada agora. Lembro dos papos, dos sonhos, dos futuros que estabelecemos – e que não tiveram chance de chegar a ser. Já são parte passado. Do antigo. Ficam nas lembranças, intocáveis e inalteráveis. Ficam, porque nada vai me convencer de tirá-las de mim. Vivas. Nostálgicas, permanecem. Não vou desistir de encontrar um sentido em tudo isso, em tudo o que aconteceu. Porque aconteceu, não aconteceu? Deve haver algum sentido. Talvez o enxergue, mas penso que não é hora de prová-lo a todos, de berrá-lo a todos – de calar a todos.
Questiono. Já sem esperança de alguma resposta. Seria?
O perfume, o gosto, o rosto. Nada que faz parte de você vai se extinguir em mim. Por um tempo, bom tempo. De que me vale o novo, se o velho ainda me basta?

terça-feira, dezembro 21, 2010

Era quase um pouco de tudo

Era quase silêncio. A não ser por um grilo que berrava suas mágoas a alguns bons metros. Era quase breu. Salvo pela majestosa lua cheia que se exibia por trás dos galhos das árvores mais próximas. Era quase – quase meu corpo inteiro de saudade.
Levantei da cama em que estava estirado há uns tantos minutos sem nenhum motivo aparente ou pré-definido, e caminhei. Pode ter sido o instinto otimista demais que por vezes conservo, me forçando a acreditar que você estaria no outro cômodo me esperando. Pode ter sido a ansiedade presente com frequência, que me faz encadear movimentos total e involuntariamente inúteis. Não entendo exatamente o porquê dessas minhas últimas ações, e nem conseguiria identificá-lo por completo, mas acredito que haja uma boa pitada de desespero contida nelas.
Era quase insônia. A não ser pelo resquício de sono que ainda sobrevivia em mim, que fazia dos meus olhos uma porta pesada prestes a fechar, mas que não era o suficiente para me fazer dormir – sem você. Era quase solidão. Salvo por alguns sinais de vida desmaiados um tanto quanto próximos, mas que a essas horas não chegavam nem perto de serem uma companhia razoável. Era quase – quase toda minha energia canalizada em um único ser, você.
Desenhei um círculo imaginário no chão, com os meus passos repetidos dezenas de vezes e em sentidos variados. Meus pensamentos tão distantes, acompanhados das incessantes voltas dadas em volta do nada, desnortearam facilmente meu equilíbrio, e então parei. Sentei. E depois me deitei, de novo. Tudo estava quase se tornando um ciclo, pois repetia os mesmos atos, separados por alguns minutos de descanso deitado à cama, e que por sua vez seriam repetidos na próxima madrugada, assim como na próxima e na próxima, exatamente como havia sido na madrugada anterior também.
Era quase medo. A não ser pela certeza de que você voltaria, só não sabíamos quando. Era quase insanidade. Salvo pelos intrigantes momentos de racionalidade que ainda surgiam, e que me permitiam planejar todos os detalhes da sua volta. Era quase – quase uma vontade de alterar o tempo e avançar o que fosse preciso.
Pensei que talvez fosse algo com que devia me preocupar. Que talvez isso não fosse muito normal. Mas pra quê ser normal, se por muitas vezes a normalidade te faz omitir os mais admiráveis sentimentos? Levantei mais uma vez e fui até perto da porta, pensei em abri-la novamente e verificar o outro cômodo como já havia feito, mas hesitei. Você não estaria ali, como também não estaria me esperando como previ em minha mente. Hoje, só hoje você não estaria me esperando. E então apaguei a luz, silenciei a voz que cantarolava nossa canção e me deitei. Agora, só agora vou realmente dormir. Pois afinal tenho um ótimo motivo: amanhã – posso garantir – você estará me esperando no cômodo ao lado, exatamente como imaginei.

E era quase – quase um corpo inteiro de saudade.

quinta-feira, dezembro 16, 2010

Guardadas, não ditas

Andei vasculhando minhas gavetas e meus armários e encontrei um pouco de tudo que escondi de todos. Encontrei felicidades compactadas em frases perdidas no caderno de capa infantil, encontrei decepções resumidas a duas palavras, por vezes três ou quatro. Encontrei tanta coisa que pensei em dividir, mas que no momento de dizê-las faltou coragem – ou oportunidade – e que jamais foram mais do que rascunhos em folha de papel. Encontrei um bom tanto de mim que só eu conheço.
Perdi meu dia refletindo sobre o assunto, e brincando com a ideia de que todos hesitaram falar algo em algum momento dele. A moça de preto na praça de alimentação do shopping provavelmente se esqueceu de agradecer a melhor amiga por mais um favor atendido, mesmo tendo planejado agradecer. O senhor de muleta que cruzava lentamente a rua deve ter pensado em revidar o farmacêutico que lhe atendeu mal. O garoto de cabelos compridos mais uma vez não conseguiu terminar seu namoro com a menina fria que não diz o que sente. E sua namorada, em contrapartida, perdeu a oportunidade de dizer que o ama, mesmo o amando cada vez mais. O rapaz de roupas coloridas contabilizou no mínimo uns cinco palavrões quando o zombaram em plena praça central, mas não pronunciou nenhum. A menina de verde não teve coragem de confessar que está apaixonada pela menina de azul, e a menina de azul sentiu medo de dizer que ama a menina de verde – e então não disse.
Entre muitas suposições e constatações, está a verdade de que nunca dizemos tudo que desejamos e da forma que desejamos. O diálogo está cada vez mais desvalorizado, e sua importância cada vez mais ignorada. E, pelo que ando visto, não temos muita chance de mudar esse percurso. Aquelas palavras, carregadas de timidez, e que geralmente traziam os melhores resultados e proporcionavam as mais surpreendentes reações, andam sendo substituídas por indiretas displicentemente resumidas em cento e quarenta caracteres.

segunda-feira, dezembro 06, 2010

Ovelha negra


Por um momento me senti menino de novo. Cinco anos, talvez. Inocente e inexperiente – e feliz. Abri a janela do quarto e fiz entrar a luz do sol, que já chamava pelo pequeno garoto de cabelos loiros quase brancos. Saltei para fora como um flash de luz. Corri pelo imenso campo verde que tomava conta de tudo que estava à volta e deitei no meio dele.
Nada por perto, a não ser uma velha árvore, que pelos poucos galhos que ainda possuía já não fazia tanta sombra. Sem preocupações. Sem tempo – ou com tempo demais. Fiquei ali por alguns minutos. Poucos, pois meu ânimo de criança não me deixou permanecer parado por muito tempo. Tornei a pular e a correr sem destino. Ainda não entendi bem o motivo, mas a partir de um momento comecei a te imaginar correndo comigo. Fui infantil – no mais literário sentido da palavra – sem sentir a menor culpa por isso. Te imaginei ao meu lado, de mãos dadas, pulando os arbustos enquanto corríamos e não chegávamos a lugar nenhum. E não precisávamos chegar.
Procurávamos e colhíamos flores. As minhas preferidas eram as vermelhas e as suas as azuis. Colhemos o suficiente para cada um de nós formar com elas um buquê. Depois, estirados no capim um tanto espesso e desconfortável, brincamos de rolar deitados no campo, e descobrimos que rolar abraçados podia ser ainda mais divertido. Foi incrível. Estava quase certo de que não havia ninguém nos observando, e mesmo que houvesse, não haveria porque termos problemas com isso. Afinal, éramos crianças – só crianças. Não me importava se estávamos de mãos dadas ou se corríamos lado a lado, porque ninguém – absolutamente ninguém – podia dizer alguma coisa de nós. Sem malícia. Sem maldade. Tudo simples e singelo. Tudo perfeito – como deveria ser.
Só após algumas horas é que me dei conta de que você não estava realmente ali. Já havia ignorado a parte da imaginação e para mim era tudo real - talvez porque esse era o meu maior desejo. Aos poucos minha empolgação foi diminuindo e o meu corpo com movimentos frenéticos, antes involuntários, foi voltando ao normal. Ao longe avistei um maço de flores, e me surpreendi ao descobrir que só havia um buquê. De flores azuis, como você gosta.
Voltei ao meu quarto e à minha realidade. Voltei onde tudo é errado e proibido. Onde o mais puro sentimento pode ser considerado perverso e vulgar. Onde tudo é crime e pecado. Onde ninguém perdoa, ninguém aceita. Voltei ao lugar e ao tempo em que não passo de mais uma peça errada no jogo.
Mas meu dia valeu, pois ao menos por um momento me senti menino de novo.

quarta-feira, julho 28, 2010

Com os lençóis esticados

Dias atrás ouvi dizer que nem tudo respeita um padrão. Ouvi dizer, também, que nem tudo deve ter necessariamente um ponto de partida exato e pontual. E foi mais ou menos assim que aos poucos tudo foi acontecendo. Não me recordo de todos os pormenores que fizeram parte do início de tudo. E, portanto, não sei quando me dei conta de estar envolvido nisso. Ignoramos o tempo, a razão, a ordem e a linearidade – e todo o resto de fatores que poderiam fazer dos nossos minutos juntos algo previsível.
Com total ausência de planejamentos ou de qualquer que fosse a previsão dos fatos, fui espectador de meus próprios momentos, como se assistisse a um filme em que eu era o mocinho – que pretensiosamente desejava a si mesmo um típico “feliz para sempre”. Apenas vivi os fatos. Surpreendi – e acabei surpreendido por você também. Nossos momentos eram uma grata surpresa a cada novo dia - e quanto maior ela era mais excitante se tornava. E é por isso – tão somente por isso – que agora nossos olhos se observam mutuamente.
Ficamos nos analisando durante algum período. Até que instintivamente encontrei sua mão de pele fina e sensível. Com as mãos entrelaçadas, iniciamos e encerramos incontáveis diálogos. Não posso negar, temos uma facilidade incrível para desenvolver os mais variados e interessantes assuntos, perambulando verbalmente desde o lançamento do novo clipe de uma cantora americana até as inovadoras técnicas stanislavskianas de interpretação. Já tínhamos tido muitos momentos semelhantes, mas estranhamente esse parecia querer tomar outro rumo.
O instinto impulsivo – comum entre nós – nos ajudou. E ainda que carregados de timidez, fomos cuidadosamente ultrapassando os limites da intimidade. Não era a primeira vez – e eu, particularmente, nem desejava que fosse a última. Mas agora estava tudo acontecendo de um modo diferente. Mais moderado, porém intenso. Mais delicado, porém ansioso. Fomos, juntos, adquirindo a coragem e a confiança necessária. Sem aviso prévio, meus braços pareciam repletos de vontade própria e, de repente, meus movimentos se tornaram involuntários. Com minhas mãos um tanto trêmulas desenhei um caminho imaginário sob seu corpo e repeti o trajeto por inúmeras vezes. Por algumas delas alterava a velocidade e, então, chegava ao ponto final mais rapidamente.
Senti seu toque quente e macio, e de imediato percebi que era a sua mão que deslizava facilmente pelo meu corpo. Toda essa sequência de fatos me deixou absurdamente ofegante. Meu coração batia com tamanha intensidade, que se fosse possível saltaria para fora do meu organismo. Meus olhos já estavam cerrados, e pude imaginar o prazer que estava estampado em meu rosto. Quando meus pensamentos se realinharam e então voltei a me concentrar em minhas ações, notei que estávamos nos beijando – e talvez isso já estivesse acontecendo há mais tempo do que eu imaginava.
Foi fantástico. Nossos corpos estavam em contato constante há algum tempo, e nem o som da coruja que voava lá fora ou o ladrar insistente e repetitivo do cachorro do vizinho foram capazes de alterar nosso estado de espírito. Por mais radicais que fôssemos não estaríamos nem perto de parecermos promíscuos. A sensibilidade de nossos atos foi o suficiente para fazer daquilo uma experiência essencialmente romântica e carinhosa – como deve realmente ser.
Ainda de mãos dadas, mas agora com uma maior distância entre nós, trocamos frases e carinhos. E tudo parecia ter atingido a perfeição. Por mais alguns longos minutos ficamos nos olhando e compartilhando sorrisos. Aos poucos, tudo foi ficando sereno e calmo. O cachorro já não latia, a coruja voara para outro quintal e o que sobrou foi o silêncio. E o silêncio que em outras ocasiões poderia ser considerado constrangedor, agora era o detalhe que restava para essa noite ser eternizada em minha mente.
Quando me despertei notei que o dia já amanhecera e que em breve nós nos despediríamos. Aproveitei a ausência de sono e fiquei observando você dormir. E ao fazer isso percebi o quão responsável por sua proteção eu me sinto. De um modo ou de outro isso me deixou feliz, pois gostei de ter a sensação de que você realmente precisa de mim. Você abriu os olhos e com eles o seu sorriso – ah, o seu sorriso. “Bom dia”. E depois de executadas todas as tarefas matutinas – desde as de higiene às de alimentação – você abriu a porta e foi embora.
Tudo havia voltado ao normal. Me vi contando os minutos pra te ver novamente. Me vi contando os minutos para ter mais uma noite com você. Até que o som do meu celular – que me alertaria do horário exato que preciso começar a me arrumar – me trouxe de volta à realidade. Olhei para a cama onde dormimos e os lençóis estavam esticados, milimetricamente acomodados em seu devido lugar. Suas coisas já não estavam espalhadas nos mais variados lugares. Meu quarto já não possuía nenhum vestígio da sua presença. E não sabia quando você entraria nele novamente – e principalmente se você entraria. Aqui estou, mais uma vez, a esperar uma resposta – a te esperar.
E só então pude concluir: não existe a perfeição. Mas ainda assim afirmo que se a ela é atribuído o status 10, a noite passada pôde, sem rodeios, atingir o 9.