quinta-feira, dezembro 22, 2011

Em um lugar qualquer conhecer alguém que valha algum tempo de conversa,

e arriscar dizer que esse papo poderia se estender pra algum outro lugar qualquer, que levará a outro, em outro dia qualquer, e depois de uma semana mais uma vez, e outra, e outra, e no mês seguinte já nos conheceríamos bem, e no outro mês seguinte seríamos íntimos, amigos, parceiros, e só então viria o primeiro beijo, e o segundo, o quinto, o sexto, outros mais, e iríamos enfim pra cama, e já poderíamos dizer que o que faríamos era de fato amor, e apresentaríamos, cada um em sua vez, o mais íntimo de nós, sem pressa, sem receio de nada que fizesse parte de nós, e levantaríamos da cama pra cozinharmos algo que estivesse dentro do cardápio aceitável de ambos, e determinaríamos que o prato escolhido seria o prato oficial do casal, assim como depois elegeríamos uma música oficial, e um ponto de encontro oficial, um restaurante, um filme, um drink, todos oficiais do casal, e pensaríamos nos nomes preferidos de cada um, e negaríamos de pé junto e com os dedos cruzados atrás das costas que não estávamos associando nada daquilo à ideia de termos filhos juntos – oficiais do casal, brincaríamos depois – ao menos por enquanto – porque isso seria afobado demais, e ficaríamos horas olhando um para o outro, decorando os traços do rosto, o desenho da boca e o formato do nariz, e não precisaríamos armazenar em nossos cérebros inúmeras informações aleatórias pra garantir que teríamos assunto quando estivéssemos juntos, porque não teríamos medo do silêncio, e eu te olharia por horas seguidas mais uma vez só pra de repente, sem mais nem menos, roubar um beijo seu, e então eu ganharia outro justamente por ter feito isso, e lembraríamos que juntos somos melhores, e dormiríamos juntos, e acordaríamos juntos, e caminharíamos juntos, e discutiríamos, juntos, com os vizinhos chatos que dormem às vinte e não gostam de barulho, e diríamos a eles que não sabem o que estão perdendo por dormirem a noite inteira – porque a noite é certamente a parte mais bonita do dia, e prometeríamos que nadaríamos pelados quando fôssemos à praia, e quando de fato fôssemos você me imploraria pra não levar em conta a promessa, e eu te mostraria as minhas bandas favoritas e você as suas cantoras favoritas, e diríamos, os dois, um para o outro, que tínhamos adorado as músicas, por mais que depois você continuasse só com as suas cantoras e eu só com as minhas bandas em nossas seleções de músicas, e seríamos reais, sem farsas, sem capas, e mesmo sendo sem farsas e sem capas não pediríamos a verdade sempre, porque acreditaríamos que pequenas mentiras são necessárias, assim como não pediríamos lealdade, porque acreditaríamos que esse tipo de coisa não se pede, e quando nos perguntássemos o que a gente era, diríamos que não havíamos estipulado um título, e que acima de qualquer coisa éramos amigos, e não estaríamos mentindo, éramos mesmo amigos, com alguns detalhes e benefícios a mais, confessaríamos, mas amigos, e então amadureceríamos juntos, e envelheceríamos juntos, e decidiríamos que queríamos ser amigos até o fim, pois isso talvez impedisse muita coisa ruim, e aconselharíamos, velhos, cheios de rugas no rosto, aos casais mais novos que estivessem por perto, que era exatamente aí que a maioria dos casais acabam errando, eles deixam – por alguma razão oculta-particular-e-talvez-involuntária – de serem amigos,

e quando estivéssemos quase no fim, quando tivéssemos certeza de que estávamos perto, bem perto, eu lembraria, em voz bem baixa, no pé de seu ouvido, daquele dia, antes de te conhecer, em que cheguei a pensar que não chegaria a te encontrar, em que eu, tolo, por algum motivo havia perdido a minha maior esperança, a de em um lugar qualquer conhecer alguém que valha algum tempo de conversa, e arriscar dizer que esse papo poderia...

sábado, julho 09, 2011

30 minutos de quase amor

O sorriso. Foi o sorriso, sempre é. Por todo o pouco tempo que estive perto, foi ele que me prendeu, que me tirou da rota e me jogou pro ar. Seu riso comedido, tomado de timidez, quase com medo de encantar – e encantando ainda mais. Seu riso contido, vazio de malícia e cheio de franqueza – frágil, gentil, sutil.
Sobretudo o sorriso, mas também o olhar, o beijo, o toque. O toque de leve, deslizando e desenhando formas, acariciando a pele como se deve, do modo afetuoso que conhece. Passou pelo rosto, pela nuca, pela boca. Estipulou um caminho e o repetiu seguidas vezes – delicadas vezes. A mão de pele macia e fina como instrumento, perambulando calmamente encontrou a minha. Encaixaram-se.
Os lábios movendo-se timidamente imploram um beijo. Que foi dado. A aproximação lenta, receosa. Os olhos cerrados. E as próximas ações somente seguiriam o fluxo imposto por nossos desejos. Todos os movimentos eram parte da mesma coreografia. Nossas bocas dançavam nela, assim como as mãos, cabeças, línguas ansiosas e em total sintonia – e harmonia, e euforia.
“Me observe”, pedi em pensamento, “tente ler em meus olhos tudo o que senti com esse beijo, porque se eu te dizer vai me achar dramático demais”. Seus olhos me encararam durante algum tempo considerável, talvez por resposta à minha expressão atordoada – era cedo, tinha de ser. E os olhos. Atentos, paralisados em direção aos meus. Seu olhar sincero pediu explicações, e eu expliquei. Do modo que sei e que posso fazer – beijei sua boca mais uma vez.
E por consequência da série de sensações, o deslumbramento, o fascínio – e a falta de domínio sobre tudo que estaria por vir. Os pensamentos aturdidos reviraram o que ainda restava de racional em mim, mas não arranjaram nada muito relevante. Já me sentia preso àquele beijo, àquele olhar – ao sorriso.
Tínhamos de ir. E então a despedida com mais um beijo. E mais um, e mais um, dois, três, e mais. Restou o medo, o medo de perder o que ainda não é – mas que tem tudo pra ser. O medo de nunca mais sentir os mesmos lábios, tocar o mesmo rosto, analisar os mesmos traços perfeitos e ser questionado pelo mesmo olhar preocupado. O medo de ter enfim encontrado o que sempre busquei – e não conseguir manter ao meu lado, colado a mim. Restou o medo.
Nunca acreditei em amor a primeira vista – e sinceramente continuo assim. Mas algo incomum aconteceu ali, tem que ter acontecido, ainda não estou ficando louco. Eu sei, existem coisas que não podem ser denominadas, apenas sentidas. Deve haver algum significado nisso.


“Até a próxima”, dissemos juntos. E “por favor”, completei em pensamento. A despedida é inevitável, mas se existir sempre um reencontro, não há com que se preocupar. Se não é amor, pelo menos já é um caminho.

quarta-feira, junho 22, 2011

Leste inventado


Ando com saudade de ser amado. Ando só. Com vontade de ver, de ter, de ser mais. Ando preocupado com a vida. Tenho andado muito, muita coisa. Tenho sido menos, tão pouco de mim. Tenho nada.


“Quem roda na roda fica contente. Quem não roda se fode”, disse uma vez o senhor Caio. Não obedecer ao movimento da roda às vezes me faz mal. Me deixa longe, me torna coadjuvante de uma história sem pé nem cabeça, de um enredo que prioriza sempre a roda, o movimento contínuo, o viver padronizado. É complicado entender a sociedade. Existe a via que leva ao norte e a via que leva ao sul. Só! E o que a gente faz quando não quer estar em nenhuma delas? Quando não quer seguir nem pro norte nem pro sul? O que a gente faz quando se quer um leste? Pode ser inventado, utópico, não importa. Mas por que não existe uma via que leva ao leste? Nem que seja só pra mim. Mas o diferente assusta. É difícil aceitar o deslocado-careta-que-pensa-demais-e-que-vive-de-menos, é assim que eles falam.
Tentaram me convencer de que o sul é melhor, menos problemático. Quase fui. Mas acabei percebendo que não era uma boa escolha. Lá é tudo muito amargo, contido. As pessoas que vêm do sul são sempre fechadas em si, transtornadas interiormente e juram que nada é capaz de atrapalhar a sua maneira moderada de viver. Aí tentaram me convencer de que o norte é melhor, menos monótono. Quase fui. Mas não, pro norte eu não vou porque. Porque lá é tudo muito exagerado, forçado. Aqueles que vêm do norte são sempre pateticamente donos de si. Extravagantes, desregrados demais. Adrenalina, por adrenalina, entendem? E a ausência de um propósito em quase tudo.
Qual é o problema em existir um leste?
Vou contar como o imagino. Se acaso existisse uma via que levasse ao leste ela seria uma ruazinha torta, tenho certeza. Porque no leste não existe um padrão. Ou melhor, o único padrão ou regra que é preciso seguir é fugir dos excessos. Todo mundo tem um pouquinho de norte e um pouquinho de sul dentro de si. Só no leste isso seria equilibrado da maneira exata e saudável. A rua seria torta porque no leste não é proibido seguir a própria opinião, não é proibido ser o que é. E quem no mundo não é um tanto torto?
Eu ainda penso naquele amor, se é que querem saber. O Amor que a roda me roubou, que foi levado pro norte. E não pude fazer nada mais do que acompanhar com o olhar. Sumindo, sendo engolido por ela. De que adianta me torturar, lamentar me lembrando de quando ele, o Amor, era só amor? E não havia distância alguma entre nós, a não ser nós mesmos limitados pelos nossos próprios receios.
Pedi que voltasse, pensei em viajar pra lá e resgatá-lo mas. Mas o norte domina, o norte persuade. E se eu quiser ficar por lá também? Não, eu não posso buscá-lo. O Amor deve estar tomado pelo prazer das drogas do norte, pelas facilidades de um mundo sem limites pra imaginação. O problema, Amor, é quando você começar a viver só a imaginação.
Escrevi algumas coisas bobas pra ele, mas nunca tive coragem de mandar – talvez por serem bobas.
Volta. Volta enquanto há tempo. Volta enquanto te quero de volta, enquanto temos alguma coisa pra conversar, enquanto você ainda tem um tanto de sul em você. Volta enquanto nutro por nós dois o nosso amor.
Estive pensando dias desses. Se você decidisse voltar poderíamos construir uma estradinha pequena sentido leste, só pra nós. Com algum tempo de trabalho e um bom bocado de paciência a gente conseguiria, tenho certeza. Poderíamos enfeitá-la também, o que acha? Colocaríamos as nossas cores favoritas nas beiradas, escreveríamos no chão as nossas frases, e depois...

Besteira. Não vai voltar, eu sei. Não vai existir nunca essa estradinha pequena sentido leste. O Amor já está distante, acomodado em seu canto. Mas ainda espero, claro, no mesmo lugar de sempre. No meio de tudo isso. Entre as duas grandes vias, sem saber pra onde ir.

quinta-feira, maio 05, 2011

Nu

Sobre a cama uma camisa xadrez pendendo para o vermelho e uma calça jeans que por pouco não era preta. Os livros que foram usados numa tentativa fracassada de entender mais sobre economia. As embalagens agora inúteis que envolviam as guloseimas altamente calóricas ingeridas há pouco. O computador que contava com uma fotografia antiga da família reunida, a qual estampava o plano de fundo da tela. Havia também alguns rabiscos desalinhados dos planos do futuro.
Vestiu a camisa xadrez que pendia para o vermelho e a calça jeans que por pouco não era preta. Sentou à beira da cama e se agachou pra apanhar o tênis um tanto velho, esticando os braços por debaixo dela pra alcança-lo. O enfiou em seu pé e sem demora amarrou os cadarços do All Star cor bordô. Foi até o banheiro, arrastou sua mão sobre o espelho pra tirar a umidade, buscou sua imagem nele. “Já estive melhor”, pensou. E então ensaiou um sorriso amarelo, de canto. Péssimo, falso demais.
Era mais um dia em que teria de fingir ser o que não era, e por sorte até acreditar que podia ser de fato. Teria de fingir que tudo ia bem, que as pessoas eram agradáveis e que fazia exatamente o que sempre desejou. Teria de fingir – ou esquecer, quem sabe – tanta coisa. Não sentia dor nunca, não ficava enjoado, não se incomodava com o calor, pensavam. Deveria ser assim. E então fingia – fingia esquecer.
Levantou da cama, apagou a luz do quarto, saiu de casa. Fez tudo o que fazia em todos os dias. Encontrou as pessoas que via sempre. Amigos, parentes, conhecidos. Os mesmos problemas de rotina, o mesmo trânsito insuportável, o mesmo chefe arrogante, a mesma secretária oferecida, o mesmo assessor fofoqueiro – a mesma vida exemplar – a mesma máscara de ontem, de antes, de antes, de sempre.
Quem o via de fora não imaginava o que estava por trás do sorriso amarelo, de canto. Não notava que na verdade ele era péssimo, falso demais. Não imaginava que a discussão com o irmão mais novo logo cedo o perturbou, que sentia saudades da mãe morta por câncer e que havia uma porção de coisas que o incomodava. Não imaginava que ele havia perdido seu grande amor numa das voltas de sua vida, que estava cheio de contas pra pagar e que o seu dia estava uma merda. De longe, até parecia feliz.
“Cansei disso”, gritou. Gritou pra quem estivesse perto e quisesse dar atenção ao que falava. E gritou pra si mesmo. Logo em seguida ecoaram frases perdidas no ar. Um senhor, que andava por ali, aos poucos foi ficando imóvel, e em instantes estava absolutamente atento ao que o rapaz esguio berrava descontroladamente. “Cansei de andar na linha!”, anunciou a todos. E então, aproveitando o surto de sinceridade e de coragem que o havia dominado, berrou todas as suas angústias, os seus medos, os seus anseios – as inseguranças. Foi ouvido.



“Quem sabe quem sou? E se eu te falar que não sou essa porcaria que você pensa de mim? Sou tímido, você diria – e eu concordaria. Mas eu não sou só tímido. Te digo que a minha timidez é bem diferente da minha vergonha. Se você é tímido, você é até mesmo sem motivo. É uma característica sua. Está no pacote, não tem volta. Você pode ser tímido mesmo sem temer a opinião dos outros. É uma dificuldade – de expressão, dizem por aí. Agora a vergonha não, e é dela que fujo agora. Por que eu teria vergonha de mim? Eu tive, admito. Até minutos atrás, você diria – e eu concordaria. Por vergonha de mostrar a própria face, a gente inventa um milhão de máscaras. Cada uma pra um lugar, pra um grupo. Ou mais deprimente ainda, cada uma pra uma pessoa diferente – quem duvida?
“Me diz. Como fiquei sem máscara alguma no rosto? Fico bem? Diz. Como é me ver assim? Meu rosto deve estar te dizendo um monte de coisa agora, não? Sincero. Limpo. Despido. E aí? Me diz o que está vendo? Um cara pateticamente inseguro. Cheio de receio. Covarde. Um cara que perdeu uma porrada de oportunidades. Que se pelou de medo quando tudo o que deveria fazer era se jogar no que queria. Um cara que se escondeu de tudo, que escondeu todos os sentimentos, as vontades, os desejos – as saudades. E se eu tivesse feito diferente? Se eu tivesse confessado tudo, jogado todas as cartas na mesa de uma vez? Se eu tivesse falado, sempre, o que eu sentia? Te digo. Eu seria o veado da família. A bicha sentimental! Homem não chora, me disseram. Não sente. Homem é pedra.
“Não. Eu não sou pedra, porra nenhuma! Assim como não sou determinado, como sempre digo. Pareço, não é? Ah, pareço forte, também? Sobrevivência, meu chapa. Quem se mostra fraco é atropelado pelos supostos fortes. Não existe vez pra quem chora, pra quem não sorri o tempo todo, pra quem anda se machucando nessa droga de mundo. Não existe vez pra quem sente na pele a dor de ser sozinho.
“Eu sou sozinho porque eu tenho medo de gente e a gente tem medo de gente que teme a gente. Entendeu, meu amigo? Essa é a verdade! Eu não sou sozinho, você diria – e eu discordaria. Eu amo uma garota que nem imagina que eu ainda existo. Minha namorada? Não. Não falo dela. Eu não amo minha própria namorada, meu Deus! Eu não tive coragem de terminar e lá se foram três anos de fingimento. De “eu te amo” sem amor, de uma porção de “vai ser pra sempre” torcendo pra não ser de fato. Quantos segredos uma máscara bem colocada pode preservar? Fui montado por mim mesmo, escolhi o que queria mostrar ao mundo e mostrei. Segui o que aprendi com a vida, ou senão eu me fodia. Fui obrigado, meu irmão. Fui farsa. Fui mentira.
“Fui. Fraco.
Estava sentado. No chão de uma rua movimentada. As pessoas que circulavam não deram importância, apenas o desviavam sem muita dificuldade. O senhor ainda estava ali, em pé, do seu lado. Como se esperasse mais palavras. Como se esperasse ainda mais semelhanças entre os dois. E realmente aguardou durante algum tempo, mas o rapaz não desempenhou qualquer tipo de ação. Continuava sentado, parado. Arrasado, diriam.
E enfim, levantou. Andou. Andou sem propósito. Andou. Não foi ao trabalho, não deu satisfação. Não viu parentes, amigos, conhecidos. Nem enfrentou trânsito. Não teve de suportar o chefe, a secretária, o assessor. Não colou no rosto o típico sorriso amarelo, de canto, porque ele seria péssimo, falso demais. Andou.
Abriu a porta de casa. Vazia, oca, sem ninguém esperando. Sentou em sua cama. Arrancou o tênis All Star cor bordô. Tirou a camisa xadrez que pendia para o vermelho e a calça jeans que por pouco não era preta. Deitou.
Amanhã seria um dia melhor, pensou. E seria. Mas hoje, agora, ele queria apenas continuar deitado. Fugindo dos pensamentos, para que eles não lhe tirassem o alívio que permanecia no peito. Sim, estava aliviado. Porque sabia que amanhã seria um dia diferente, não poderia parar de fingir, mas de qualquer modo, fingiria bem menos.
E então, fechou os olhos.

segunda-feira, abril 11, 2011

Seria pleno

Uma porção de frases presas na minha garganta. Conjunto de palavras de saudade, de revolta, de amor. Raiva. O desejo incontrolável de abrir a veneziana do quarto e gritar em direção ao nada palavras soltas e cheias de sentido. O medo de me prender de novo em mais uma das minhas aventuras utópicas – ou perfeitamente prováveis, aos olhos de outros. De me entregar – pela segunda ou terceira vez, calculo – às minhas ilusões tão românticas e tão autodestrutivas.
Eu ainda observo – de longe, jamais saciei essa minha necessidade. Mesmo quando eu estava... Vejo o sorriso, os olhos vidrados, a boca faminta por mais um beijo do seu mais duradouro projeto de amor. E esse carinho que não é pra mim. Maldito carinho. Essa imagem invade o pensamento e rouba todos os meus resquícios de otimismo. Analiso atentamente todos os passos, os gestos. Não preciso de muito tempo pra isso, alguns segundos de observação e consigo desvendar seu estado emocional sem nenhuma dificuldade. E ele anda em ótimo nível, admito. Admito que isso te faz bem. Não sei se natural e diretamente, mas talvez de um modo condicionado, talvez sua vontade de ficar ou mostrar-se bem seja a principal razão desse sorriso permanente.
É hora de reviver algumas coisas. Aquelas lembranças um tanto velhas, guardadas há um punhado de meses em algum lugar nem um pouco escondido do meu cérebro. Se renovam. Vem a impressão de que faz cinco ou seis dias que foram verdade, que foram o momento, e de que elas podem se repetir daqui outros cinco ou seis, quem sabe. A certeza de ter sentido, nesses últimos segundos, o mesmo toque que me aqueceu da última vez, naquela noite já distante. E então descobri que ainda me lembro de todos os detalhes.
Me pego pensando de que forma poderia ter sido diferente. Seria? O sorriso seria pra mim, assim como os olhos estariam vidrados nos meus e sua boca procuraria a minha? Se eu tivesse falado, o que falaria exatamente? Se eu tivesse quebrado as regras, que regras quebraria por mim? Se eu tivesse te provado, o que provaria em troca?
Pergunto. Sem respostas há um bom tempo. Seria?
Difícil desvendar o que está por trás da nossa intimidade, intimidada agora. Lembro dos papos, dos sonhos, dos futuros que estabelecemos – e que não tiveram chance de chegar a ser. Já são parte passado. Do antigo. Ficam nas lembranças, intocáveis e inalteráveis. Ficam, porque nada vai me convencer de tirá-las de mim. Vivas. Nostálgicas, permanecem. Não vou desistir de encontrar um sentido em tudo isso, em tudo o que aconteceu. Porque aconteceu, não aconteceu? Deve haver algum sentido. Talvez o enxergue, mas penso que não é hora de prová-lo a todos, de berrá-lo a todos – de calar a todos.
Questiono. Já sem esperança de alguma resposta. Seria?
O perfume, o gosto, o rosto. Nada que faz parte de você vai se extinguir em mim. Por um tempo, bom tempo. De que me vale o novo, se o velho ainda me basta?