quarta-feira, julho 28, 2010

Com os lençóis esticados

Dias atrás ouvi dizer que nem tudo respeita um padrão. Ouvi dizer, também, que nem tudo deve ter necessariamente um ponto de partida exato e pontual. E foi mais ou menos assim que aos poucos tudo foi acontecendo. Não me recordo de todos os pormenores que fizeram parte do início de tudo. E, portanto, não sei quando me dei conta de estar envolvido nisso. Ignoramos o tempo, a razão, a ordem e a linearidade – e todo o resto de fatores que poderiam fazer dos nossos minutos juntos algo previsível.
Com total ausência de planejamentos ou de qualquer que fosse a previsão dos fatos, fui espectador de meus próprios momentos, como se assistisse a um filme em que eu era o mocinho – que pretensiosamente desejava a si mesmo um típico “feliz para sempre”. Apenas vivi os fatos. Surpreendi – e acabei surpreendido por você também. Nossos momentos eram uma grata surpresa a cada novo dia - e quanto maior ela era mais excitante se tornava. E é por isso – tão somente por isso – que agora nossos olhos se observam mutuamente.
Ficamos nos analisando durante algum período. Até que instintivamente encontrei sua mão de pele fina e sensível. Com as mãos entrelaçadas, iniciamos e encerramos incontáveis diálogos. Não posso negar, temos uma facilidade incrível para desenvolver os mais variados e interessantes assuntos, perambulando verbalmente desde o lançamento do novo clipe de uma cantora americana até as inovadoras técnicas stanislavskianas de interpretação. Já tínhamos tido muitos momentos semelhantes, mas estranhamente esse parecia querer tomar outro rumo.
O instinto impulsivo – comum entre nós – nos ajudou. E ainda que carregados de timidez, fomos cuidadosamente ultrapassando os limites da intimidade. Não era a primeira vez – e eu, particularmente, nem desejava que fosse a última. Mas agora estava tudo acontecendo de um modo diferente. Mais moderado, porém intenso. Mais delicado, porém ansioso. Fomos, juntos, adquirindo a coragem e a confiança necessária. Sem aviso prévio, meus braços pareciam repletos de vontade própria e, de repente, meus movimentos se tornaram involuntários. Com minhas mãos um tanto trêmulas desenhei um caminho imaginário sob seu corpo e repeti o trajeto por inúmeras vezes. Por algumas delas alterava a velocidade e, então, chegava ao ponto final mais rapidamente.
Senti seu toque quente e macio, e de imediato percebi que era a sua mão que deslizava facilmente pelo meu corpo. Toda essa sequência de fatos me deixou absurdamente ofegante. Meu coração batia com tamanha intensidade, que se fosse possível saltaria para fora do meu organismo. Meus olhos já estavam cerrados, e pude imaginar o prazer que estava estampado em meu rosto. Quando meus pensamentos se realinharam e então voltei a me concentrar em minhas ações, notei que estávamos nos beijando – e talvez isso já estivesse acontecendo há mais tempo do que eu imaginava.
Foi fantástico. Nossos corpos estavam em contato constante há algum tempo, e nem o som da coruja que voava lá fora ou o ladrar insistente e repetitivo do cachorro do vizinho foram capazes de alterar nosso estado de espírito. Por mais radicais que fôssemos não estaríamos nem perto de parecermos promíscuos. A sensibilidade de nossos atos foi o suficiente para fazer daquilo uma experiência essencialmente romântica e carinhosa – como deve realmente ser.
Ainda de mãos dadas, mas agora com uma maior distância entre nós, trocamos frases e carinhos. E tudo parecia ter atingido a perfeição. Por mais alguns longos minutos ficamos nos olhando e compartilhando sorrisos. Aos poucos, tudo foi ficando sereno e calmo. O cachorro já não latia, a coruja voara para outro quintal e o que sobrou foi o silêncio. E o silêncio que em outras ocasiões poderia ser considerado constrangedor, agora era o detalhe que restava para essa noite ser eternizada em minha mente.
Quando me despertei notei que o dia já amanhecera e que em breve nós nos despediríamos. Aproveitei a ausência de sono e fiquei observando você dormir. E ao fazer isso percebi o quão responsável por sua proteção eu me sinto. De um modo ou de outro isso me deixou feliz, pois gostei de ter a sensação de que você realmente precisa de mim. Você abriu os olhos e com eles o seu sorriso – ah, o seu sorriso. “Bom dia”. E depois de executadas todas as tarefas matutinas – desde as de higiene às de alimentação – você abriu a porta e foi embora.
Tudo havia voltado ao normal. Me vi contando os minutos pra te ver novamente. Me vi contando os minutos para ter mais uma noite com você. Até que o som do meu celular – que me alertaria do horário exato que preciso começar a me arrumar – me trouxe de volta à realidade. Olhei para a cama onde dormimos e os lençóis estavam esticados, milimetricamente acomodados em seu devido lugar. Suas coisas já não estavam espalhadas nos mais variados lugares. Meu quarto já não possuía nenhum vestígio da sua presença. E não sabia quando você entraria nele novamente – e principalmente se você entraria. Aqui estou, mais uma vez, a esperar uma resposta – a te esperar.
E só então pude concluir: não existe a perfeição. Mas ainda assim afirmo que se a ela é atribuído o status 10, a noite passada pôde, sem rodeios, atingir o 9.

4 comentários:

  1. Consegui imaginar cada linha do texto. Um ótimo texto.

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  2. Aaah, você terminou! *.*
    Nossa, quanta sensibilidade, mesmo.

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  3. Claro, tudo faz sentido,mesmo que o sentido seja uma palavra tão "vaga" ,porém o sentido só tem um porque,pois foi você quem o colocou.

    Mais uma vez,brilhante.


    te amo.

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  4. Quando a gente gosta antes mesmo de gostar. =] me remeteu isso.
    Com mais calma agora, tinha certeza que o texto era lindo, mas é mais que isso.. e né, o título arrasou!

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