quinta-feira, dezembro 16, 2010

Guardadas, não ditas

Andei vasculhando minhas gavetas e meus armários e encontrei um pouco de tudo que escondi de todos. Encontrei felicidades compactadas em frases perdidas no caderno de capa infantil, encontrei decepções resumidas a duas palavras, por vezes três ou quatro. Encontrei tanta coisa que pensei em dividir, mas que no momento de dizê-las faltou coragem – ou oportunidade – e que jamais foram mais do que rascunhos em folha de papel. Encontrei um bom tanto de mim que só eu conheço.
Perdi meu dia refletindo sobre o assunto, e brincando com a ideia de que todos hesitaram falar algo em algum momento dele. A moça de preto na praça de alimentação do shopping provavelmente se esqueceu de agradecer a melhor amiga por mais um favor atendido, mesmo tendo planejado agradecer. O senhor de muleta que cruzava lentamente a rua deve ter pensado em revidar o farmacêutico que lhe atendeu mal. O garoto de cabelos compridos mais uma vez não conseguiu terminar seu namoro com a menina fria que não diz o que sente. E sua namorada, em contrapartida, perdeu a oportunidade de dizer que o ama, mesmo o amando cada vez mais. O rapaz de roupas coloridas contabilizou no mínimo uns cinco palavrões quando o zombaram em plena praça central, mas não pronunciou nenhum. A menina de verde não teve coragem de confessar que está apaixonada pela menina de azul, e a menina de azul sentiu medo de dizer que ama a menina de verde – e então não disse.
Entre muitas suposições e constatações, está a verdade de que nunca dizemos tudo que desejamos e da forma que desejamos. O diálogo está cada vez mais desvalorizado, e sua importância cada vez mais ignorada. E, pelo que ando visto, não temos muita chance de mudar esse percurso. Aquelas palavras, carregadas de timidez, e que geralmente traziam os melhores resultados e proporcionavam as mais surpreendentes reações, andam sendo substituídas por indiretas displicentemente resumidas em cento e quarenta caracteres.

3 comentários:

  1. "O diálogo está cada vez mais desvalorizado, e sua importância cada vez mais ignorada. E, pelo que ando visto, não temos muita chance de mudar esse percurso."

    Está aí uma grande coisa sendo aos poucos jogada fora. O diálogo. De fato é uma pena, e infelizmente todos nós somos responsáveis por isso.

    Ótimo texto.

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  2. Tem coisas que um dia damos tanto valor, que elas acabam esquecidas nas gavetas mofadas, né. Acho que funciona assim com nós mesmos. Ótimo texto.

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  3. "Guardadas, não ditas" quantas vezes perdi a chance de falar o que queria, e por um certo momento e deslize meu, calei-me.
    Mais uma vez o seu texto foi maravilhoso assim como a pessoa que você é.
    Eu te amo muito e sinto muito sua falta.

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