segunda-feira, dezembro 06, 2010

Ovelha negra


Por um momento me senti menino de novo. Cinco anos, talvez. Inocente e inexperiente – e feliz. Abri a janela do quarto e fiz entrar a luz do sol, que já chamava pelo pequeno garoto de cabelos loiros quase brancos. Saltei para fora como um flash de luz. Corri pelo imenso campo verde que tomava conta de tudo que estava à volta e deitei no meio dele.
Nada por perto, a não ser uma velha árvore, que pelos poucos galhos que ainda possuía já não fazia tanta sombra. Sem preocupações. Sem tempo – ou com tempo demais. Fiquei ali por alguns minutos. Poucos, pois meu ânimo de criança não me deixou permanecer parado por muito tempo. Tornei a pular e a correr sem destino. Ainda não entendi bem o motivo, mas a partir de um momento comecei a te imaginar correndo comigo. Fui infantil – no mais literário sentido da palavra – sem sentir a menor culpa por isso. Te imaginei ao meu lado, de mãos dadas, pulando os arbustos enquanto corríamos e não chegávamos a lugar nenhum. E não precisávamos chegar.
Procurávamos e colhíamos flores. As minhas preferidas eram as vermelhas e as suas as azuis. Colhemos o suficiente para cada um de nós formar com elas um buquê. Depois, estirados no capim um tanto espesso e desconfortável, brincamos de rolar deitados no campo, e descobrimos que rolar abraçados podia ser ainda mais divertido. Foi incrível. Estava quase certo de que não havia ninguém nos observando, e mesmo que houvesse, não haveria porque termos problemas com isso. Afinal, éramos crianças – só crianças. Não me importava se estávamos de mãos dadas ou se corríamos lado a lado, porque ninguém – absolutamente ninguém – podia dizer alguma coisa de nós. Sem malícia. Sem maldade. Tudo simples e singelo. Tudo perfeito – como deveria ser.
Só após algumas horas é que me dei conta de que você não estava realmente ali. Já havia ignorado a parte da imaginação e para mim era tudo real - talvez porque esse era o meu maior desejo. Aos poucos minha empolgação foi diminuindo e o meu corpo com movimentos frenéticos, antes involuntários, foi voltando ao normal. Ao longe avistei um maço de flores, e me surpreendi ao descobrir que só havia um buquê. De flores azuis, como você gosta.
Voltei ao meu quarto e à minha realidade. Voltei onde tudo é errado e proibido. Onde o mais puro sentimento pode ser considerado perverso e vulgar. Onde tudo é crime e pecado. Onde ninguém perdoa, ninguém aceita. Voltei ao lugar e ao tempo em que não passo de mais uma peça errada no jogo.
Mas meu dia valeu, pois ao menos por um momento me senti menino de novo.

2 comentários:

  1. lindo lindo e lindo.
    se a realidade é dura, a imaginação pode nos presentear com flores.
    (;

    sempre gostei das ovelhas negras, porque são diferentes e se destacam de todo o resto (;
    :D

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  2. Por que ser igual se podemos ser diferentes nas suas mais variadas formas?! O igual não vai em frente por medo de evoluir.
    E quem somos nós, pra dizer o que é certo ou errado?
    O que se faz com o coração e sem maldade, jamais pode ser tido como perverso ou errado.

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